o primeiro livro de cada uma das minhas vidas

21 de janeiro de 2017
Obs: esse texto foi escrito como um trabalho extra para a faculdade, baseado na crônica de mesmo nome da Clarice Lispector. Por favor, sem comparações, rs.

É preciso um grande dom de autoconhecimento para descobrir quantas e quais vidas você já teve. Eu mesma não o possuo, mas gosto de imaginar que tenho dentro de mim várias: uma vida de leitora, uma vida de filha, uma vida de estudante, uma vida de ser... – e dentro de cada uma delas, há um eterno renascer, como se explodissem novas fontes vitais em todos os momentos de renovação.

A minha estreia como leitora foi o livro “O Pequeno Príncipe”. Li-o com sete anos. Minha mãe nunca foi de ler, mas queria ter uma filha rata de livros – por isso, leu comigo as primeiras páginas para assim me despertar a vontade de continuá-lo, já que eu não tinha lido nada tão longo antes. Lembro-me de acha-lo muito engraçado: imaginar os cabritos mal desenhados pelo narrador me parecia muito divertido, e o ato de olhar para um desenho como uma cobra engolindo um elefante ao invés de um chapéu, curiosíssimo. Até mesmo o contato com a morte pelo tombamento do príncipe não me amedrontou: afinal, ele voltaria para seu planeta e as estrela sorririam para mim dali em diante. Depois dessa primeira vez, o reli diversas vezes, todas elas prontas para sinalizar um novo renascer em qualquer uma das minhas tantas vidas – não só como leitora, mas, principalmente, como um ser em conjunto com o mundo.

O outro primeiro livro da minha vida (que foram os primeiros, na verdade), agora não só como leitora, mas como minha formação de eu, foi a série Harry Potter, assim como todos da minha geração. Ouvi falar pela primeira vez quando a filha de uma amiga da minha mãe, carioca da gema, disse que viu “reurepórter” no cinema. Eu nunca tinha ido ao cinema e muito menos sabia do que se tratava “qualquer coisa repórter”. No começo eu não me interessei: afinal, o que um filme de reportagens poderia me dar? Mas foi só eu olhar a única livraria da minha cidade (que fechou meses depois) que eu o vi tão grande e grosso, quase como uma caixinha de presente com letras brilhantes, parecia um livro que eu leria ao infinito. Não o comprei, peguei emprestado. Harry Potter foi então o primeiro livro que abriu portas para tantos outros, e, principalmente, foi a primeira coisa que eu gostei por mim mesma (excetuando, talvez, vulcões e dinossauros).

Depois, me aventurei por diversos clássicos da literatura: David Copperfield, Dom Casmurro, Lolita, Anna Karenina... Todos eles de extrema importância para a minha renovação como leitora. Mas o último que eu gostaria de falar é “O Apanhador no Campo de Centeio” de J.D Salinger. Ele apareceu para mim num período de transição importante, entre o limite da adolescência e vida adulta (pelo menos o mais próximo de vida adulta que já tive) no qual passei por momentos de profunda depressão. O livro me fez refletir sobre os outros e sobre mim, como eu lido com o meu eu, como eu encaro a minha sensibilidade. Foi com ele que dei um passo definitivo, abrindo portas para a minha nova vida de ser.

Ainda espero por um livro que poderei dizer “esse livro sou eu!” num modo bem clariciano de dizer. Mas é provável que essa espera nunca se complete, uma vez que me parece, cada vez mais, que esse “eu” é composto por todas as minhas vidas, que se renovam de forma infinita (ainda bem!) e que só alcançará um equilíbrio quando tudo acabar em ossos.


Talvez, dizer que “esse livro sou eu agora” seja bem mais preciso.          

0 comentários:

Postar um comentário

Sempre tento responder os comentários. Se quiserem ver a minha resposta, deem um checadinha!! ♥♥♥♥

Tecnologia do Blogger.
Back to Top